O homem, em nenhum tempo, é dono dos princípios e das causas dos eventos históricos. Seu período de existência físico é limitado num período que não excede a duração máxima estatística observada no tempo em que vive. Nestes anos 2020, a expectativa de vida é de 75 anos.
O tempo e o fato
O homem que chega em sua época só pode fazer deduções lógicas da existência sobre os homens da sua época. Os costumes, a língua, a política e a economia sofrem transformações inimagináveis. Qualquer dedução só procede se tiver uma base documental, e quando se referir a um tempo passado deve ser considerada como cada vez mais imprecisa, quanto mais longe estiver aquele tempo em questão.
Por exemplo, vamos pensar que temos que fazer uma dedução a respeito de uma situação social ocorrida há 50 anos atrás. Em seguida, consideremos também que estamos na faixa etária que vai de 50 a 60 anos. Nossa idade, à época do fato, estava entre 0 e 9 anos. Esta idade não possibilita análise “in tempu”, pois o mínimo para isto orça em 25 anos de idade, quando nosso cérebro “fecha”, ou seja, atingimos uma maturidade dedutiva mínima, com consciência social.
O que fazemos ? Buscamos pelo menos um intervalo de 10 anos (década) de eventos anteriores ao evento e 10 anos posteriores, documentação da época, pois esta tem o exato clima que proporcionou aquele desenrolar de fatos DA ÉPOCA. Este é um dos princípios da historiografia: procurar documentação o mais próximo da época em que um fato se deu.
Tempos longínquos
Mas o ser humano é um pesquisador e pretensioso. Quanto maior o intervalo de tempo entre a sua existência e um fato, tanto mais pretensioso ele será, ao tentar analisar o fato acontecido. Agora vamos exemplificar com um fato que ocorreu há 500 anos atrás. Este número 500 é 500/75, ou 6,67 vezes a expectativa de vida deste pesquisador que tenta “sentir” o fato como se naquela época tivesse vivido. Multiplique este fator por 10 (a nossa década), e vai descobrir que terá que dissecar 70 (aproximação por cima) anos anteriores ao fato e mais 70 posteriores (para se inteirar de causas e de consequências). E terá que procurar as evidências na documentação da época.
Tempos muito longínquos
Vamos lidar agora com fatos acontecidos há, por exemplo, 3000 anos atrás. Calcule o coeficiente, a exemplo do que fizemos anteriormente: 3000/75 = 40. O tempo abarcado em nossa pesquisa histórica será de 40x10 anos antes e 40x10 anos depois do fato. Vamos lidar com 800 anos de história, e teremos que achar os documentos da época, fazer mapeamentos complexos, analisando costumes e sua evolução, analisando alterações econômicas e talvez até mudanças de linguagens ou dialetos. Este não é um trabalho para amadores.
Veja em que ano vamos cair: 2020 – 3000 = 880 aC (antes de Cristo). Nesta época, Atenas e Esparta ainda existem como reinos. Israel está dividido em Reino de Judá e Reino de Israel. Os etruscos estão dominando a península itálica. Homero, o poeta cego, nascerá em 850 aC. Vive em Israel o profeta Elias. Portanto, são muitos fatos importantes acontecendo. Temos que pesquisar desde o ano 1280 aC até 480 aC. É uma tarefa árdua, e devemos nos precaver de dar opiniões apressadas e equivocadas sobre os fatos se desenrolando.
Se te pedirem para comentar sobre a vida dos gregos, nesta época, você terá que pesquisar o suficiente e fazer simulações mentais para se sentir um grego, e ai opinar sobre a vida desses. O mesmo para opinar sobre a vida dos cidadãos de Israel e Etruscos. Você deve pensar e se sentir como um deles, durante dias ou meses, para não passar vergonha ao falar sobre aquele período.
Os documentos da época, tendenciosos ou não, foram escritos na época, e cabe ao estudioso captar o humor, o entusiasmo ou o pessimismo dos narradores da época.
Documentação “errada”
Toda documentação de época contém não só conteúdo factual, mas o conteúdo emocional, a tônica vigente de elucidação de eventos. Portanto, não existe documentação errada. Vejamos o caso do grego Heródoto. Heródoto é tido como um historiador que, de certa forma, exagera nas características dos fatos a respeito dos povos vizinhos pois, como grego, acreditava que todos os povos vizinhos eram bárbaros. Então ele trata ironica e exageradamente os assuntos e fatos que se referem aos povos seus vizinhos, na época em que viveu.
E nós, sabendo disto, tendo constatado estes traços de discurso em seus textos, ficamos preparados para “separar o joio do trigo”. Então os textos de Heródoto se tornam úteis.
Revisionismo
Até época anterior a Internet, em que a fonte do conhecimento eram os livros, editados após revisão, os comentaristas eram poucos. E mesmo nesta época, alguns autores almejavam a fama e, para atingir seu objetivo, lançavam hipóteses do tipo “não foi bem assim”. E muitos atingiram seus objetivos, para depois de venderem muitos livros, serem desmentidos e envergonhados. Mas uma vez que tivessem ganho dinheiro suficiente, nada mais importava.
Hoje, com a Internet, a situação piorou muito. Fedelhos de 12 anos querem comentar sobre assuntos que absolutamente não dominam (estão 13 anos atrasados em relação à idade da razão), não querem estudar, e emitem opiniões cujo lugar mais apropriado para desaguar seria a rede de esgoto.
Com tantas fontes disponíveis nos trabalhos do meio acadêmico, construídas com orientação de professores, podemos até tabelar os fatos por fonte, com no mínimo 10 pontos de vista. Podemos analisar os autores, sua situação, trabalhos anteriores e medir sua credibilidade em relação aquele assunto em pauta.
Conflitos de Interesse
A pandemia destes anos 2020, do corona virus Covid-19, mostrou muito a tendenciosidade de certas opiniões. Tanto presidentes, quanto governadores tentaram fazer ciência, dando opiniões estapafúrdias e dignas de dó. Sem a pesquisa, sem o conhecimento, sem o cruzamento das informações corretas e sem o tempo adequado de testes, nada pode ser dito, em termos de ciência.
Para a historiografia, acontece coisa parecida, como dissemos. É preciso uma pesquisa de um tempo proporcional ao período analisado, a mentalização necessária para se sentir naquela época e muitas comparações, para dar uma opinião sobre um tempo passado.
Governadores e prefeitos incorreram no conflito de interesse, ao emitirem opiniões e diagnósticos que os beneficiassem.
Personalidades míticas
Ora, com o afastamento de certos fatos, para intervalos de tempo de milhares de anos, a obrigação do homem seria a de pesquisar quase a história universal inteira. O homem moderno não quer ter este trabalho. Houve gente que duvidasse da existência de Homero e tivesse sugerido que ele não escreveu a Ilíada sozinho (aliás, ele não escreveu e sim recitava a saga de memória). Moisés é mais uma vítima desta preguiça humana de buscar a linha dos fatos, pois o pretenso pesquisador teria que lidar com 3300 anos de história, aproximadamente. Esta pessoa teria que conhecer a história do Egito, as possibilidades de sobrevivência no deserto, a religião judaica, relações de equilíbrio na política egípcia e uma infinidade de variáveis impalpáveis.
Maomé é considerado pelos povos ocidentais como uma invenção dos muçulmanos, para criar uma raiz palpável para sua religião. O fato é que temos milhões de muçulmanos no mundo, e esta é uma das religiões que mais cresce nestes anos 2000.
Retrocedendo aos limites extremos, chegaríamos a Adão e Eva, cuja psicologia é algo inimaginável, a partir do ponto em que se trata de duas pessoas que não tiveram mãe, ou seja, um elemento de ternura em suas vidas, e tiveram o próprio Deus como Pai, severo e que não admitia erros. Então, diante de sua fraqueza e impossibilidade de entender a situação, o homem classifica aquele contexto e seus personagens como um mito. Uma serpente falante, diante do homem limitado, vira mito.
Mas houve gente que fez pior, e concebeu a serpente como uma invenção de Eva. Imaginem a inocente Eva, sem outras pessoas para lhe incutirem a malícia (só tínhamos Deus e Adão), ter a capacidade intelectual de inventar esta mentira.
E se Adão e Eva são mitos, nem eu e nem você estamos aqui lendo este texto, pois do terceiro ser humano em diante, nascemos sempre de um casal. Ou então estou louco.
E que prova documental temos destes “personagens míticos” ? De Homero temos seus romances notórios. De Maomé temos o Alcorão. De Moisés, Adão e Eva temos a Bíblia. Estes são os mitos mais reais de que se pode ter notícia.
Conclusão
O homem se apegou, com o seu orgulho, às provas materiais. Esta situação só piorou nos últimos tempos com o advento e proliferação dos vídeos do Youtube. O que não estiver registrado em vídeo é dado como duvidoso, e até inexistente.
O homem tem que desenvolver sua faculdade superior de razoabilidade e, se puder, se orientar por uma fé racional, baseada em possibilidade derivada de fontes documentais.